quinta-feira, 14 de maio de 2009

Aula 5: Sobre a linguagem geral e a linguagem humana

Ata da aula do dia 15 de abril de 2009, baseada no texto “Sobre a linguagem geral e sobre a linguagem humana”, de Walter Benjamin.
Por Priscila Monteiro Corrêa

A aula teve início com a leitura da ata da aula anterior e foi recomendada a leitura dos textos “Problemas da sociologia da linguagem”, publicado por Benjamin, em 1935, e “O mito do esclarecimento”, de Adorno e Horkheimer, enfatizando-se que Benjamin tem um lado místico que os difere dos outros autores. Ele vinha na contramão do momento que estava vivendo, pois o lado espiritual era negado no mundo moderno.
A discussão começou com considerações acerca da linguagem adâmica. O homem define pela linguagem o que a natureza quer expressar. Ao querer conhecê-la, ele é expulso do paraíso e, entre outras coisas, passa a ter de trabalhar. Com isso, passou a ter de nomear as coisas e a natureza, por sua vez, ficou muda. Deus fez as coisas reconhecíveis pelo seu nome. O homem, por sua vez, passou a nomeá-las por seu reconhecimento, ou seja, ele fez uma tradução.
Foi levantada a questão do princípio do verbo, Deus, o entregou ao homem, o que lhe deu a possibilidade de nomear e, com isso, criar, aproximando Seu poder ao poder do homem. Com isso veio à tona a questão da Torre de Babel, que levou a um não entendimento, em função das diferentes possibilidades de criação humanas.
Benjamin, neste texto, traz outras vozes. Ele aborda a questão do “médium-espiritual”, aquele que incorpora o outro, que se manifesta através dele. A linguagem é a manifestação das coisas do outro. Comentou-se que Benjamim parece colocar a linguagem acima das coisas em si. A natureza é parcialmente comunicável. A mediação é a linguagem, não a coisa. O que é comunicável é a essência espiritual.
Estas discussões remeteram à obra de Magritte, “isto não é um cachimbo”, que inicia o Surrealismo. O que comunica é aquilo que se tornou linguagem, se tornou essência, porque se tornou linguagem. O essencial é o possível de ser comunicado.
Com relação ao imediatismo (aqui e agora), Benjamin se aproxima do que Bakhtin vai chamar de acontecimento, sendo que o primeiro é mais filósofo e menos sociólogo que o segundo. Para Benjamin, o tempo é saturado de agoras. Ao mesmo tempo é histórico, pois passado, presente e futuro se entrecruzam. Quando o imediato, o agora, é atualizado, tem-se um momento criativo, inédito. Neste texto, Benjamin traz a saturação do agora. Para ele, “a verdade é sempre passageira”. A verdade é um lampejo que clareia e entra novamente na escuridão. É possível ver a realidade por um breve instante. Benjamin joga com as palavras: na parte se pode ver o todo, por isso o fragmento também traz uma totalidade.
Benjamin não separa nome e palavra. Nomear é designar. Em um dado momento, o designar se perde, passa a ser comunicação dentro de uma circulação social empobrecida. As crianças, como os artistas, conservam o poder nomeador. Foi citado como exemplo disso um dos livros de Daniel Munduruku sobre a designação dos nomes nas tribos indígenas. Quando se designa algo que se cria, se nomeia.
Voltando à questão da mudez da natureza, destacou-se a polifonia das diferenças. Como é jogada no sujeito a possibilidade de designar, a natureza não fala mais por si, carregando a tristeza de ser falada pelo outro. Deus criou, o homem designou e Deus passou a ser receptor daquilo que ele criou e o homem designou. A designação é uma criação humana. A palavra tem um poder tão grande que Deus chega a ser receptivo a ela. Com isso, o homem vira uma espécie de Deus.
Para abordar o sentido semântico do mundo físico, foram lidos dois fragmentos do livro Infância em Berlim, no qual Benjamin fala de suas memórias. Os objetos são aquilo que são, mas também são outra coisa. Também foi lembrado o livro A importância do ato de ler, no qual Paulo Freire afirma que as primeiras palavras são os objetos e as coisas, a partir dos quais se faz a “leitura do mundo”. Lembrou-se ainda de Os jovens infelizes, de Pasolini, que trata das diferenças entre gerações. A cortina da casa do personagem era para ele o símbolo da burguesia em que fora criado. Algumas coisas marcam as crianças como uma tatuagem.
Qual é o espaço de criação dos sujeitos em formação? Há diferentes abordagens. O homem é um ser que significa, mas o faz em uma determinada direção. A palavra é desprestigiada quando passa por uma comunicação. Na psicanálise, por exemplo, há significação, mas não necessariamente por palavras. Para Bakhtin, a palavra importa enquanto signo ideológico, porque altera o outro. Benjamin vê o mundo social na materialidade da natureza. Bakhtin o vê pelo fato de um homem alterar o outro. Benjamin relaciona a Filosofia com a Literatura. Bakhtin, pelo fato de ser lingüista, trabalha mais especificamente com a língua. Benjamin critica a sociedade e o mundo moderno. Bakhtin fala do homem palpável, em relação. Para Bakhtin, estar dentro da língua é uma questão social. Benjamin, por sua vez, a trata de maneira mais significada, profunda.
Foi relembrado o conceito de experiência abordado por Benjamin em “O narrador”. O sujeito, mesmo concreto, tem a ver com a experiência do homem na história. A linguagem é tratada como experiência. É na linguagem que a gente se coloca, é nela que o homem é mais concreto.
Em “O narrador”, Benjamin fala do romance, faz críticas a ele, pois o considera um símbolo da burguesia. Bakhtin, por sua vez, prefere a prosa, por ser para ele mais dialógica. Benjamin tem uma visão burguesa do romance. Trata-se de uma leitura individual que, por isso, não toca o outro. Ele critica a coisa fechada e acabada para defender a narrativa em seu caráter de continuidade. A crítica maior é à forma de ler o romance e não ao romance em si. O narrador do romance não dá conselhos, não dialoga, não continua. A leitura aqui cria elos entre as pessoas, o que também pode ser feito com o romance, ele pode ser objeto de circulação coletiva, pode produzir coletividades.
Foi proposta uma discussão acerca das questões relacionadas à arte e à leitura na escola. O primeiro tópico abordado foi o fato de a indústria cultural ter entrado na esfera do consumo. Em seguida, foi feito um relato que evidenciou que a escola não deixa a criança sentir. Essa é uma cultura escolar já posta. Com isso lembrou-se de trabalhos de Graça Paulino nos quais ela aborda o trágico na contemporaneidade. Parece que queremos tirar o sofrimento, as frustrações, deixar o mundo asséptico.
A leitura na escola é atravessada pela ideologia do prazer, mas nem toda leitura é prazerosa, ela não é boa em si. A leitura literária é um encontro consigo mesmo que pode ser terrível. Já a leitura não literária produz um prazer laborioso, de ter feito um esforço. Quando a literatura faz alguma diferença, ela perde a aura, ganha outra dimensão.
A seguir, foi contada outra experiência escolar que enfatizava a idéia de que, nesse espaço, tudo deve ser prazeroso, dessa vez vinculado à escrita. O professor sabe que é difícil ler e escrever, mas acaba incorporando o discurso da escola.
Foi relatada ainda mais uma experiência, essa em torno da literatura. Quando disciplinarizada, ela deixa de ser o que é, emoção. A partir dessa questão foi indicado o livro A literatura em perigo, de Todorov.
No momento seguinte da aula, foi proposta uma retomada dos principais temas abordados por Benjamin nos textos que lemos.
O primeiro deles foi em relação à origem da linguagem – entre gestos e sons. O gesto é anterior ao som, que é representação. Para Vygotsky, “a escrita é um gesto no ar”. Nesse ponto ele se aproxima de Benjamin. É possível pensar também em uma aproximação entra Bakhtin e Benjamin, já que aquele considera o “extra-verbal”, enquanto este afirma que o gesto nunca abandonou a palavra.
O segundo ponto tratado foi a linguagem mimética, abordada em “A doutrina das semelhanças”. A escrita é um arquivo de semelhanças de correspondência extra-sensível. A semelhança, por sua vez, é criada em algo que se replica. O texto é o fundo do qual emerge o futuro e o destino.
O terceiro e último ponto discutido foi a linguagem na modernidade, que aparece em diferentes textos. Neste ponto é importante destacar a historicidade, já que Benjamin se refere ao homem situado. Em “O narrador”, fica claro que o sujeito se perde, porque não tem a quem contar nem a quem ouvir. Edmir Perrotti foi lembrado por discutir o silenciamento das crianças. Também tratou-se da possibilidade de dizer do artista. A arte é aquilo que nos acontece. Durante muito tempo vozes fora silenciadas. Nesses espaços, a arte, sempre situada, tem o lado da busca de uma sensibilidade.
Neste ponto também foi discutido o conceito novo e positivo de barbárie proposto por Benjamin, com seu “marxismo da melancolia”. A perda da narrativa, da alma, se aproxima e se afasta da antiga barbárie. O conceito de barbárie positiva é fruto do processo civilizatório que quis combater a própria barbárie. É positiva porque a pobreza de experiência impede o homem de ir em frente e construir o novo com o pouco que tem. A arte contemporânea provoca estranhamento, porque traz de forma crua elementos e sensações. Ficamos sem saber se gostamos disso ou não.
Benjamin foi um homem impregnado de seu tempo. Quarenta anos depois de sua morte ainda tem muito a dizer em relação à linguagem instrumental e da informação, à destituição do sujeito, à importância da tradição e da narrativa entre muitas outras coisas.

Priscila Monteiro Corrêa
Em 06/05/09.